sábado, 7 de abril de 2007

Poesia Matemática

Poesia Matemática
Millôr Fernandes

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
Nessa poesia, a Incógnita se enganou ao dizer quem era. Queremos descobrir qual a verdadeira identidade da Incógnita. Como ela deveria se apresentar ao Quociente?

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Quatro razões para estudar




Você já se perguntou sobre a necessidade de passar meia geração estudando assuntos genéricos. Você fez engenharia cartográfica ou letras, mas precisou estudar os anelídeos e a tundra do norte do Canadá para entrar na faculdade. Depois disso, você deixou as minhocas de lado e o Canadá voltou a ser para você a terra fria de Terrance & Phillip. Se aquela dúvida permaneceu, eis as respostas:

1) Quem quer ser engenheiro precisa estudar matemática e física e ignorar todo o resto, certo? Errado. Nossa noção de necessidade é imperfeita. Pensando bem, nossa noção do que é uma carreira profissional também é bem chulé. É difícil saber do que precisamos até estarmos numa situação em que não podemos conseguir aquilo de que precisamos. Por isso é bom ter conhecimento, o que inclui estudar minhocas. Você nunca sabe quando vai precisar de seus conhecimentos sobre minhocas.

2) Ok, você nunca precisou de seus conhecimentos sobre minhocas e não conhece ninguém que tenha precisado disso. Mas pense nas alternativas. Enquanto você estudava os anelídeos, você deixou de assistir à oitava reprise de “Lucky, o cão biônico” e perdeu os comentários sobre o escândalo envolvendo uma celebridade de que você nunca ouviu falar. Talvez os anelídeos não sejam mais importantes do que a Sessão da Tarde ou do que os programas vespertinos, mas, vem cá, você conhece alguém que desenvolveu grandes aspirações quando soube com antecedência o que vai acontecer no próximo capítulo da novela das 8?

3) Buda dizia que somos aquilo que pensamos. Não sugiro que você fique pensando na tundra canadense, mas é bem melhor do que pensar em beber cerveja, por exemplo. Nossas ações seguem aquilo que está em nossa cabeça. Se você a ocupa com cerveja, com tundra ou com anelídeos, fatalmente sua vida seguirá o caminho dessas coisas. É bem melhor que sua vida seja mais ampla do que o Globo Repórter e seus intervalos comerciais.

4) É muito bom ser sociável. Mesmo que você seja um tímido incurável, é admirável quando encontramos pessoas que sabem ouvir, que sabem do que estamos falando. Não só pela economia de palavras, mas porque reforçamos aquela esperança de encontrar vida inteligente nos limites deste país. E vida inteligente não é algo que brota na gaveta da geladeira (isso se chama bolor); vida inteligente se constrói e se mantém diariamente.


http://gropius.org/2007/03/28/quatro-razoes-para-estudar/